Crônicas, Crises, Cotidiano

dezembro 22, 2006

Tire os óculos

Filed under: Uncategorized — pelanoitedorio @ 5:08 am

O ideal em um artista, segundo o poeta Charles Baudelaire, seria que ele captasse suas inspirações e observações do dia-a- dia com a franqueza e frio na barriga de uma criança, e também com a paixão e frescor de um convalescente. Seria a tênue ligação entre dois mundos aparentemente distantes: um que goza de uma promessa de vida ainda longa e irrevelada, e outro que conseguiu recuperar a sua vida ante uma possível perda.  O ponto que me refiro é o que sugeri no último post: a sensibilidade como bandeira.

Não só o artista, como todo homem deveria experimentar desse exercício do olhar de vitrine, ainda citando Baudalaire. Esse olhar que, mesmo fisicamente distante, se aproxima do mundo real em sua transparência. Desperdiçamos tantos detalhes no rush do relógio que pouco aproveitamos das revelações que nos são dispostas todos os dias. À tempo, descobri um prazer que vai além dos toques e aquisições: a simplicidade e cumplicidade de um momento vulgar, e sua capacidade de me arrancar o sorriso mais reconfortante e inspirador.

Falo das pequenas coisas sim, mas não no sentido de pregar o altruísmo ou desapego, apesar de considerar tais ações honráreis. Falo dos detalhes na sua natureza intrínseca e descompromissada, que não precisa de marketing, belas curvas, responsabilidade social ou projetos ambientais,  e que se tivessem à venda, pagaria pelo preço mais caro.

Nesse exato momento, falo da explosão de alegria de deitar no chão gelado de uma noite quente ao lado do meu gato persa que se espreguiça, e curtir por alguns minutos o seu carinho de retribuição. Do seu olhar dentro dos meus olhos, do miado quase falado, do roçar do seu rosto no meu. Não acredito que perco isso tantas vezes e tantos dias para ver tv. Sorria e ria sozinha tentando imaginar o que ele pensava da sua dona naquele momento, na primeira vez q me via deitar no chão para ver o mundo da sua altura. Os gatos podem ter mais sentimentos que a gente, acredito piamente e não comprem briga comigo quanto à isso.

Falo também do bom dia do meu porteiro. Não de todos os porteiros, nem de todos os bom-dias, mas o que ele me deu domingo passado, especificamente. Estava sentada no meio-fio do lado de dentro do prédio, esperando pela carona de uma amiga que se demorava. Quando comecei a me afundar naquela solidão esquisita e papel de esquecida sob os olhares de quem entrava e saía da portaria, ele passou, parou, me segurou pela mão, e como se dispusesse de todo o tempo do mundo para ouvir o que se passava comigo, cumprimentou com um BOM DIA quase biscopal. O repeti em sua frase, e ele surge com um complemento: ” Está tudo bem?”.  Permaneceu parado e atento para ouvir a resposta, não foi somente uma expressão de um discurso fático. Quase desmanchei-me em lágrimas, mas respondi: ” Está tudo ótimo”. E permaneci sorrindo por uns dois minutos por causa de um bom dia.

E também da vista do Aterro do Flamengo; do Cristo encoberto pelas nuvens do Rio nublado e encabulado; da chuva fina que conquistou os cariocas nesta quinta-feira escaldante e que refrescou as plantas quase secas do pátio do meu prédio e minha mão que estendi pra fora da janela;  da conversa de 10 minutos que tive na praia, girando em torno de nada grandioso, a não ser da vontade de uma pessoa de estar ao meu lado no único tempo disponível que tinha; das meninas de 12 ou 13 anos, também na praia e atrás da minha cadeira, repetindo todo o roteiro da minha adolescência com um ânimo e astúcia que me desconcentrou a leitura de um livro; do sorriso quase escondido da minha mãe sair comigo depois de meses sem grandes trocas e da tranquilidade que suas mãos dadas às minhas me fez novamente sentir; 

De tudo que não vem com manual ou anunciado, dos brindes que a vida nos dá cada vez que a visitamos sem marcar hora.

Acho que isto, além de fazer um grande artista, faz um grande amante. Amante do amor, da profissão, da família, do dia, da noite. E prometo nunca me desvencilhar deste olhar,  para que ao menos mostre a quem não vê estas pequenas coisas o que está à frente dos seus óculos e dias escuros. É a vida logo alí, olha só. Vai gostar.

dezembro 20, 2006

São Tomé

Filed under: Uncategorized — pelanoitedorio @ 12:02 am

Tenho sorte de não gostar de roer as unhas. Pelo menos, disto a minha ansiedade desmedida me poupa, já no que se trata de insônia… Há! Ela é faceira. Vou cortar o cabelo amanhã? Não durmo. Vou me matricular num curso? Não durmo. Será que vai fazer sol ou chuver? Não durmo.

Ontem, eu também não dormi… até as 3 da manhã. Não devido a um encontro que rendeu, uma festa que se prolongou, ou uma soneca prolongada na tarde anterior… Carência afetiva PLUS a temidaTpm, não poderia dar certo mesmo.  Então, resolvi me dedicar à continuação da leitura do meu último livro de 2006. Bem, não MEU, quem dera, mas do Gabriel García Márquez, aquele das putas tristes… O romance se chama “Do amor e outros demônios”. Fabuloso!

Dentre os episódios mais interessantes e delicados que o colombiano narra com uma destreza sem alusões, um trecho em especial me cutucou o cérebro. ” A incredulidade resiste mais do que a fé, já que esta primeira é mantida pelos sentidos”.  Com esta afirmação, fazia relação ao desânimo e desesperança de um pai ao velar durante toda uma noite sua filha de 12 anos entregue a dores cruéis de uma doença fatal. Tentava manter-se crente, mas ao ouvir as súplicas de auxílio, ao sentir o corpo trêmulo da menina, ao vê-la desfalecer a cada minuto, o cheiro do seu suor e saliva que escorriam pelo rosto, devia ser realmente difícil acreditar que um Deus existe.

A incredulidade tem em seu favor o toque, a realidade, as denúncias de crimes hediondos, as mortes de crianças vítimas da fome, de doença, de gente, da vida. Falo da ginástica necessária e diária da prática da crença em algo que não podemos palpar. Como fazer para crer no amor? Na religião? Na paz? Na igualdade? No ser humano? Não reclamo a autenticidade desses componentes, pelo contrário, acredito que o maior erro tenha sido mutarmos nossa fé no sentido de nossos desejos mais instântaneos, uma fé meio vadia, meio dadeira.

Há escapatória para toda crença… No amor, a traição e o perdão. Na religião, o pecado e absolvição. Na paz, a guerra e a trégua. Na igualdade, progresso e consequência. No automatismo e comodismo que vivemos, tudo sim vem a calhar. Chega no final do dia, dá uma rezadinha. Pronto. Eu creio.

Não sou uma beata, uma pacifista, sequer tenho marido. Mas tento mesmo acreditar nos valores que escolhi pra minha vida com toda cautela e admitir quando estou me perdendo deles.  Tenho medo desse mundo que não se preocupa com o amanhã porque não o vê.  Esse complexo de São Tomé me irrita.

Eu acredito bastante, aliás, acredito até mais. Contrariando o Márquez, acho que prefiro acreditar mais no que meus sentindos não alcançam, do que aonde eles chegam. Posso morrer acreditando que Papai Noel existe e ninguém pode me provar o contrário. Vai dizer que não é bacana acreditar que o velhinho da barba branca tá por aí distruindo felicidade, pelo menos, em um dia do ano.

Não to promovendo a inocência, mas o resgate de uma certa sensibilidade se mostra como uma peça fundamental de oposição para tanta passividade, apatia, atitude blasé. Tenho arrepio dos modismos desacerbados, das anormalidades aprovadas, do moderno desajustado.

Ah, sei lá… Só quis fazer um desabafo. Tenho fé de que vão entender, mesmo tendo jogado tudo num liquidificador.

Boa noite! 

dezembro 18, 2006

Memória de Elefante (ou Feliz Ano Novo)

Filed under: crônicas — pelanoitedorio @ 1:08 am

Farta. Criei fadiga. Preguicei. Chega de denunciar a sociedade que só consome e come, a mídia que sensacionaliza e despolitiza, os homens que mentem e… mentem.  O meu apelo hoje é ambiental: Deixem o elefante em paz. Nada mais de cantar que o grandão incomoda muita gente. Eu vou sacratizá-lo. Afinal, o elefante nunca esquece.

           

            Encontro-me cada dia mais petrificada com a minha capacidade de esquecer. Efeito degenerativo, pergunto-me se é uma patologia pessoal gerada pela insensibilidade ou um vírus que ronda por aí. O caso é que minha frase preferida tem sido: “Ih, esqueci”. Nada surpreendente em tempos que as fotos não são mais impressas, nem coladas num álbum junto ao desenho de sua mão quando criança e um pedacinho de cabelo. Tenho um desse pra lembrar dos velhos tempos. Todos deveriam ter.

           

            À alguns dias para o parto de um ano novo branco com roupas íntimas coloridas, pulando 7 ondas, e Tim-tins, me comovi com a idéia de tantos momentos terem tentado excitar minha memória e nem sequer terem chegado à minha cama no fim do dia. Aos que quebrei o coração, como perspectiva para 2007, sugiro este segundo encontro, relembrando, aleatoriamente, do que esqueci em 2006.

           

            Inicial e lamentavelmente, esqueci de três affairs fundamentais. Esqueci o quanto amo minha mãe, e o quanto ele me faz falta como amiga, conselheira, suporte. Esqueci grande parte do que ela já fez por mim, e o que não fez deve ter sido porque não mereci. Ou porque nós nos parecemos tanto, que a teimosia em dose dupla torna a ressaca mais difícil de curar. Esqueci o quanto amo meu irmão, e o quanto está longe e sozinho no momento. Sua decisão para mudar-se pros EUA foi tão fullgás que o meu bom senso não encontrou tempo de abrir a ferida, que começa a doer agora. Esqueci a importância que minha melhor amiga tem na minha vida, e que passa agora também um tempo fora do Brasil, e logo na Nova Zelândia. Espero que ela se esqueça que aquilo é um paraíso. E volte. Por favor.

           

            Esqueci também que tinha planos para aprender e aperfeiçoar o francês em um ano. Deixa pro próximo. Esqueci de fazer um diário de viagem na minha primeira e mágica ida à Las Vegas. Deixa pra próxima. Esqueci do cinematográfico tombo que tomei enquanto corria na esteira em plena semana de adaptação à nova academia, e que deixou um roxo registrado no O DIA numa sessão de fotos que era pra ser atraente. Que não haja o próximo. Preciso de ginástica pro cérebro.

           

            Esqueci de tirar a segunda via da minha carteira de identidade, mas isso já faz dois anos. Não entra na lista. Risca. Esqueci de terminar de ler A Casa dos Budas Ditosos, e também esqueci o livro na cadeira do salão. Se não fosse aquela capa em tom cereja quase erótico e sua ilustração completamente erótica, teria passado despercebido, mas ainda me lembro da vergonha que senti quando a secretária me ligou com a questão: “Este livro é seu?” Sim. Pornô literário, querida, não se esqueça você também. Sou uma cliente que lê algo além da Caras e Boa Forma, acho que ela achou esquisito. 

           

           

            Mas se trabalhasse pro circo, acho que também ganharia uns amendoins. Ingressei na faculdade que queria, no curso que queria e estou convicta do que quero. Grande felicidade. Finalmente, tive meu primeiro namorado e foram os quatro meses mais simples e tranqüilos da minha vida. Hoje, entendo que aquilo que realmente deveria ser amor, e não os meus relatos de paixões depressivas e viciantes. Saudades. Ainda no campo da primeira vez, experimentei o Maracanã e entendi o saudasismo com o qual todos narram o estádio. Devo uma crônica pra este dia.

            Tenho meu próprio apartamento, meu próprio carro e meu próprio gato. Luke. Nesse momento está aqui, diante do computador, simplesmente pra fazer companhia. Fiz novas amizades, inclusive uma com uma prima. Descobri que laços familiares podem não ser um fim, mas também um início para uma bela estória.

            Ocupei grande parte do meu tempo com festas e algazarras pra entender agora no fim do ano que pouco valeu a pena, mas gosto da parte das danças, confissões, paquera, e auto-estima. Quanto a esta última, também obtive progresso. Tenho plena consciência de muitas das minhas qualidades, a ponto de uma professora insegura da faculdade me taxar de arrogante, e se estou solteira, desempregada e carente, é porque não encontrei algo ou alguém que tope me desafiar. Melhor pensar assim, deveriam experimentar. O ano foi veloz em sua passagem, mas generoso em sua contribuição.

           

            Votos pra 2007? Quero amar mais, trabalhar mais, viajar mais, conhecer mais, ajudar mais, aprender mais, lembrar mais. Sorte do Dumbo, que além da memória, ainda tem aquelas orelhonas para ouvir mais. Nisso, ainda preciso de prática.

           

            Feliz Ano Novo!

dezembro 17, 2006

Open house

Filed under: Open house — pelanoitedorio @ 1:35 pm

É com grande festa que dou as boas-vindas para todos que venham a me visitar.

Ouvindo conselhos de um grande espelho, meu pai, verifiquei que faltava muito da prática nos meus objetivos. Por algum motivo, tardei a criar um blog para promover minhas idéias e estilo… mas cá estou. Ponho minha cabeça na corda, assumo o risco. Pode ser que muito do que vão ler passe por despercebido ou por primitivo, mas pode ser também que se identifiquem com um texto, uma frase, uma palavra… Só por isso, já ficaria contente. Adotei o slow motion na minha ansiedade e frenesi para a conquista do título de “autora” ou “jornalista”. Nesse exato momento, só quero aprender e exercitar. Espero que me ajudem e me suportem (nos dois sentidos).

Sintam-se em casa.

Bienvenue.

Lorena Ribeiro

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